Lendo um
estudo interessante de uma amiga sobre a vulnerabilidade de áreas florestais em pastagens que facilmente pegam fogo, perguntei-me para quem se está publicando
tantos estudos interessantes. Percebam que os únicos conhecimentos que ganham
um fim útil para a humanidade são aqueles com aplicações nas áreas de saúde, tecnologia
ou em áreas produtiva e que são apropriados pelas indústrias que visam lucro
com aquele conhecimento. Aqueles de áreas que não tem um uso comercial ficam apenas para os acadêmicos discutirem e de forma limitada ganham o público e passam a ser vistos como não tendo utilidade para a sociedade. Muito provável seja essa a causa da visão equivocada e
limitada do governo Bolsonaro decidir investir o dinheiro de pesquisa em áreas
com esses mesmos fins e cortar fundos para as demais.
Isso quer
dizer que todas as demais áreas do conhecimento humano (ciências da natureza,
humanas e artes etc.) não contribuem em nada para a humanidade? Em verdade, não,
e é bem possível que contribuiriam muito mais. O conhecimento produzido nessas
áreas contém possibilidades de causar mudanças sociais enormes no que tange a
qualidade de vida humana em um nível ainda mais básico e sútil do que as
amenidades propiciadas pelas ciências da saúde e de engenharias, por exemplo. A
sociologia e a psicologia, p.ex., possuem há muito respostas para ajudar
melhorar as relações humanas tanto no nível das organizações sociais e
políticas como no nível do indivíduo (i.e., saber lidar com suas emoções) para
criar um Estado de bem-estar comum a todos (e isso não tem nada a ver com
comunismo!). Se a filosofia fosse algo disseminado na sociedade (e não aquelas
banais aulas do colégio que fazem dormir), certamente teríamos indivíduos
capazes de pensar por si e que não cairiam tão fácil em “contos da Carochinha”
em tempos de campanha política. A ecologia deveria ser a ciência essencial na
escola (junto com a psicologia, eu defendo ambas) para cada um entender a casa onde
vive e passar a compreender que toda espécie viva contribui para o equilíbrio
do funcionamento planetário para prover os recursos básicos para a nossa
existência e que quaisquer alterações nos componentes do planeta irão criar uma
reorganização no seu funcionamento que poderá ser prejudicial para a vida
humana. A ecologia ainda tem em suas bases conceitos úteis inclusive para se aumentar a produtivade de alimentos a custos baixos (e talvez por isso não seja interessante!), ainda mais se aliada à sociologia do uso e da posse da terra (agora mais ainda sem interesse!).
E a pergunta
é: por que que essas áreas do conhecimento são tão subvalorizadas e até
desprezadas por governos e pelas próprias pessoas? Ao meu ver, o problema
começa na escola, mas a escola é um produto de políticas governamentais, onde
governantes são oriundos da sociedade que passou por aquela mesma escola. Ou
seja, há um círculo vicioso difícil de quebrar e que fica mais sólido quando
governos populistas – que falam e pensam o mesmo que o povo em geral – chegam
ao poder e mantém ou acentuam aquelas chagas que limitam uma nova escola. A
escola foi e ainda é um lugar de decrepitude para a maioria dos que passam por
lá e os únicos que se dão “bem” são aqueles que por alguma natureza obscura se
encaixam no formato do ensino e que, por outra natureza ainda mais obscura,
conseguem ir inclusive além do que é ensinado e questionar aquilo. Os demais
acabam por se cansar de ver tanta coisa escrita e sem sentido (como disse o
próprio presidente Bolsonaro ao se referir aos livros com muito texto!). Esses,
passam a odiar (posso usar essa palavra) o livro e logo em seguida serão aqueles
que irão ir contra a ciência, contra qualquer conhecimento escrito e acreditar
nas palavras de qualquer profeta fajuto que falar sobre os males sociais e
trazer a panaceia para conjurar tais mazelas com o seu próprio conhecimento “de
causa”.
E a arte? Onde
fica a dita “cultura”, termo inapropriado, mas popularmente aceito para
designar toda manifestação artística do indivíduo e de uma sociedade?
Assistindo um documentário sobre o “Clube de Bagé”, que retrata a trajetória de
um grupo de gaúchos sem instrução nenhuma começaram a desenhar e pintar e
conseguiram um lugar entre os maiores artistas plásticos do país, reconhecidos
mundialmente, vi que suas obras são exibidas em diferentes setores do Congresso
Nacional e do Planalto (ao menos até 2017[!], ano do documentário), inclusive ano
gabinete presidencial e de diversos deputados de direita. Curiosamente, muitos
dos pintores eram comunistas! Creio que o papel da arte sempre teve esse ar de contrabalançar
o poder político, talvez uma das razões de serem tachados sempre como
vagabundos ou comunistas, num sentido pejorativo. Enfim, mas nesses lugares os
entrevistados diziam que arte servia para expressar a alma daquele lugar e dos
que lá estavam, inclusive até para intermediar e amenizar as diferenças
políticas entre as partes quando estavam em uma sala. Percebam a profundidade
do seu papel social. A arte não é só expressa em quadros, mas também na
arquitetura, nos tradicionalismos, ou na composição de um jardim. Eu duvido que
alguém, em algum momento, com as devidas condições, não tenha uma obra de arte
em casa ou que não se sinta bem em um lugar, uma cidade, arquiteturalmente
aconchegante. Ou, no mínimo, consiga dizer que o cinema, que o teatro, que a música,
que a literatura ou qualquer outra não tenha um papel fundamental para a vida
de um povo ou de si próprio.
O desconhecimento
da relevância dessas outras tantas áreas do conhecimento é um produto da mesma
forma que uma TV, que advém de diversos conhecimentos de diversas áreas da
física e da química, de séculos de conhecimento somados e aperfeiçoados por
pessoas que jamais imaginariam tal aplicação para sues experimentos, é vista
passivamente como uma banal TV que se compra num mercado ao lado de um Baconzitos.
Ao se observar uma TV, quem conseguiria dizer o quanto de conhecimento tem lá e
quem foram as pessoas que contribuíram para aquilo ao longo da história humana?
O desconhecer e a TV escondem dentro de uma caixa um mecanismo invisível e que
por isso passa despercebido para tantos. O desconhecer leva, em algum momento, à
ignorância de saber quando não se sabe por tanto se desconhecer. Assim, a
pessoa que antes apenas desconhecia passa a ignorar o seu desconhecer e se
achar apta a saber pelo que acha saber sobre aquilo que desconhece. Ela se
torna ignorante, tanto de si como do mundo que a cerca e, sem saber que
desconhece, passa a tomar decisões para si e para os demais a partir do seu
poço de ignorância. E, é por essas e outras que todos esses conhecimentos que
passam desconhecidos permanecem na ignorância de tantos, um entre os quais que
um dia chegará a Presidência da República e que perpetuará a ignorância pôr a
desconhecer.
Todo
conhecimento é válido se ele for compreendido e aplicado. O que você deveria
estar fazendo agora é se perguntando o porquê de tudo o que sabe então não ser
aplicado. Essa é uma pergunta retórica, para você investigar e, nisso, eu vou
assumir que, se você chegou até aqui nessa leitura, é porque é capaz de
responder sozinho a essa pergunta ou pelo menos conjecturar algumas possíveis hipóteses
para tal. O que eu sinto, lamentavelmente, é que aqueles que ignoram tudo isso,
jamais chegarão até a este ponto final aqui.
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