sexta-feira, 3 de abril de 2020

Todas as ciências contribuem para a humanidade?



Lendo um estudo interessante de uma amiga sobre a vulnerabilidade de áreas florestais em pastagens que facilmente pegam fogo, perguntei-me para quem se está publicando tantos estudos interessantes. Percebam que os únicos conhecimentos que ganham um fim útil para a humanidade são aqueles com aplicações nas áreas de saúde, tecnologia ou em áreas produtiva e que são apropriados pelas indústrias que visam lucro com aquele conhecimento. Aqueles de áreas que não tem um uso comercial ficam apenas para os acadêmicos discutirem e de forma limitada ganham o público e passam a ser vistos como não tendo utilidade para a sociedade. Muito provável seja essa a causa da visão equivocada e limitada do governo Bolsonaro decidir investir o dinheiro de pesquisa em áreas com esses mesmos fins e cortar fundos para as demais.
Isso quer dizer que todas as demais áreas do conhecimento humano (ciências da natureza, humanas e artes etc.) não contribuem em nada para a humanidade? Em verdade, não, e é bem possível que contribuiriam muito mais. O conhecimento produzido nessas áreas contém possibilidades de causar mudanças sociais enormes no que tange a qualidade de vida humana em um nível ainda mais básico e sútil do que as amenidades propiciadas pelas ciências da saúde e de engenharias, por exemplo. A sociologia e a psicologia, p.ex., possuem há muito respostas para ajudar melhorar as relações humanas tanto no nível das organizações sociais e políticas como no nível do indivíduo (i.e., saber lidar com suas emoções) para criar um Estado de bem-estar comum a todos (e isso não tem nada a ver com comunismo!). Se a filosofia fosse algo disseminado na sociedade (e não aquelas banais aulas do colégio que fazem dormir), certamente teríamos indivíduos capazes de pensar por si e que não cairiam tão fácil em “contos da Carochinha” em tempos de campanha política. A ecologia deveria ser a ciência essencial na escola (junto com a psicologia, eu defendo ambas) para cada um entender a casa onde vive e passar a compreender que toda espécie viva contribui para o equilíbrio do funcionamento planetário para prover os recursos básicos para a nossa existência e que quaisquer alterações nos componentes do planeta irão criar uma reorganização no seu funcionamento que poderá ser prejudicial para a vida humana. A ecologia ainda tem em suas bases conceitos úteis inclusive para se aumentar a produtivade de alimentos a custos baixos (e talvez por isso não seja interessante!), ainda mais se aliada à sociologia do uso e da posse da terra (agora mais ainda sem interesse!).
E a pergunta é: por que que essas áreas do conhecimento são tão subvalorizadas e até desprezadas por governos e pelas próprias pessoas? Ao meu ver, o problema começa na escola, mas a escola é um produto de políticas governamentais, onde governantes são oriundos da sociedade que passou por aquela mesma escola. Ou seja, há um círculo vicioso difícil de quebrar e que fica mais sólido quando governos populistas – que falam e pensam o mesmo que o povo em geral – chegam ao poder e mantém ou acentuam aquelas chagas que limitam uma nova escola. A escola foi e ainda é um lugar de decrepitude para a maioria dos que passam por lá e os únicos que se dão “bem” são aqueles que por alguma natureza obscura se encaixam no formato do ensino e que, por outra natureza ainda mais obscura, conseguem ir inclusive além do que é ensinado e questionar aquilo. Os demais acabam por se cansar de ver tanta coisa escrita e sem sentido (como disse o próprio presidente Bolsonaro ao se referir aos livros com muito texto!). Esses, passam a odiar (posso usar essa palavra) o livro e logo em seguida serão aqueles que irão ir contra a ciência, contra qualquer conhecimento escrito e acreditar nas palavras de qualquer profeta fajuto que falar sobre os males sociais e trazer a panaceia para conjurar tais mazelas com o seu próprio conhecimento “de causa”.
E a arte? Onde fica a dita “cultura”, termo inapropriado, mas popularmente aceito para designar toda manifestação artística do indivíduo e de uma sociedade? Assistindo um documentário sobre o “Clube de Bagé”, que retrata a trajetória de um grupo de gaúchos sem instrução nenhuma começaram a desenhar e pintar e conseguiram um lugar entre os maiores artistas plásticos do país, reconhecidos mundialmente, vi que suas obras são exibidas em diferentes setores do Congresso Nacional e do Planalto (ao menos até 2017[!], ano do documentário), inclusive ano gabinete presidencial e de diversos deputados de direita. Curiosamente, muitos dos pintores eram comunistas! Creio que o papel da arte sempre teve esse ar de contrabalançar o poder político, talvez uma das razões de serem tachados sempre como vagabundos ou comunistas, num sentido pejorativo. Enfim, mas nesses lugares os entrevistados diziam que arte servia para expressar a alma daquele lugar e dos que lá estavam, inclusive até para intermediar e amenizar as diferenças políticas entre as partes quando estavam em uma sala. Percebam a profundidade do seu papel social. A arte não é só expressa em quadros, mas também na arquitetura, nos tradicionalismos, ou na composição de um jardim. Eu duvido que alguém, em algum momento, com as devidas condições, não tenha uma obra de arte em casa ou que não se sinta bem em um lugar, uma cidade, arquiteturalmente aconchegante. Ou, no mínimo, consiga dizer que o cinema, que o teatro, que a música, que a literatura ou qualquer outra não tenha um papel fundamental para a vida de um povo ou de si próprio.
O desconhecimento da relevância dessas outras tantas áreas do conhecimento é um produto da mesma forma que uma TV, que advém de diversos conhecimentos de diversas áreas da física e da química, de séculos de conhecimento somados e aperfeiçoados por pessoas que jamais imaginariam tal aplicação para sues experimentos, é vista passivamente como uma banal TV que se compra num mercado ao lado de um Baconzitos. Ao se observar uma TV, quem conseguiria dizer o quanto de conhecimento tem lá e quem foram as pessoas que contribuíram para aquilo ao longo da história humana? O desconhecer e a TV escondem dentro de uma caixa um mecanismo invisível e que por isso passa despercebido para tantos. O desconhecer leva, em algum momento, à ignorância de saber quando não se sabe por tanto se desconhecer. Assim, a pessoa que antes apenas desconhecia passa a ignorar o seu desconhecer e se achar apta a saber pelo que acha saber sobre aquilo que desconhece. Ela se torna ignorante, tanto de si como do mundo que a cerca e, sem saber que desconhece, passa a tomar decisões para si e para os demais a partir do seu poço de ignorância. E, é por essas e outras que todos esses conhecimentos que passam desconhecidos permanecem na ignorância de tantos, um entre os quais que um dia chegará a Presidência da República e que perpetuará a ignorância pôr a desconhecer.
Todo conhecimento é válido se ele for compreendido e aplicado. O que você deveria estar fazendo agora é se perguntando o porquê de tudo o que sabe então não ser aplicado. Essa é uma pergunta retórica, para você investigar e, nisso, eu vou assumir que, se você chegou até aqui nessa leitura, é porque é capaz de responder sozinho a essa pergunta ou pelo menos conjecturar algumas possíveis hipóteses para tal. O que eu sinto, lamentavelmente, é que aqueles que ignoram tudo isso, jamais chegarão até a este ponto final aqui.


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