sábado, 30 de novembro de 2013

Sobre o ser e o viver

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      A vida se resumia a mostrar para as pessoas as suas qualidades. Muitas concretas, outras falsas talvez, ou então mascaradas, pintadas para parecerem reais. No entanto, no fundo ele próprio sabia que tudo o que demonstrava era para não perder aquela posição conquistada com tanto esforço, estudo e dedicação. Ou então para conquistar em um novo meio. Por um tempo isso não o incomodou. Contudo, tudo o que mais temos de especial encontra um fim. A impermanência das coisas não perdoa nada, não nos perdoa. Por que deveria? Somos seres patéticos vivendo uma vida de fantasia, distante da realidade, realidade que só pode ser observada quando paramos de observar e passamos a senti-la.
      O colégio foi sempre uma mamata, tudo era simples. Relacionamentos com garotas começaram tardiamente, o que se tornou em seguida uma de suas habilidades (e o fim disso também não tardaria a chegar). As dificuldades para manter o status começaram a aparecer na faculdade, mas foram superadas ou então ignoradas. Não dá para ignorar nada. As coisas ignoradas não são pedras que ficam no caminho quando desviadas. Elas se movem para a próxima curva, pegam atalhos para chegar na nossa frente antes do próximo destino. 
      O primeiro exame, a primeira reprovação em uma disciplina. Parecia o fim daquilo que o identificava, daquilo que as pessoas viam dele. Como contar isso para os pais, os tios, os amigos de infância? Os próprios colegas passariam a vê-lo com um comum. Ele não seria mais um dos melhores da turma, afinal tinha pego exame e reprovado. Aliás, foram mais de um exame, os quais vieram a se repetir a cada novo semestre.
      Algo mudou. Ele não era mais aquele que sempre foi. O que estava acontecendo ainda não era claro, mas para os outros ele não era mais aquele ser inteligente. Isso lhe doía, o fazia sentir vergonha de si, baixar a cabeça e não mais se sentir no direito de opinar sobre algo. Ora, como poderia? Ele havia morrido, mas seu corpo ainda estava lá com todas as suas funções normais. Respirava, comia, dormia, caminhava...mas se sentia morto. Algo tinha morrido, mas o que, afinal? Se não ele, o que?

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