O título possui duas
interpretações, eu sei, e não é por acaso. Tenho me questionado muito ao longo
dos anos sobre o que percebo no mundo da ciência. Nesse mundo, uma coisa muito
perceptível é o ego de um pesquisador. Ele quer ser reconhecido pelos seus
pares, os colegas de profissão e de área. Tudo bem, não vejo grande problema
até aí. O problema de fato surge quando esse ego toma conta do fim do trabalho
desse pesquisador. Ele simplesmente se esquece do que ele está buscando
primeiramente, que é o avanço da ciência, e fica mais preocupado com o seu status no meio acadêmico.
A ciência perde o romantismo para
o ego. O ego tem necessidades, a ciência não, apenas paixão e curiosidade. A
necessidade do ego faz muitas vezes o cientista se tornar escravo dele mesmo.
Como comentei no post sobre o
cientista cético, perde-se a magia do que se observa e a torna um simples
objeto para ser analisado, como pode ser observado na passagem de Pirsig
(2009):
"Atualmente, estamos soterrados debaixo de
uma expansão cega e irracional do acúmulo de dados nas ciências, pois a
compreensão da criatividade científica não tem um formato racional. Além disso,
estamos soterrados debaixo de uma imensa estilização das artes - arte magra -
devida à falta de assimilação e conhecimento da forma subjacente. Nossos
artistas não têm conhecimento científico, nossos cientistas não têm
conhecimento artístico e nem uns nem outros têm o menor sentido de gravidade
espiritual; os resultados não são simplesmente desastrosos, são terríveis. Já
há muito tempo que precisamos de uma verdadeira reunificação da arte e da
tecnologia".
O cientista assume então uma
identidade. “Eu sou um cientista”, diz ele. Essa identidade se tornou
pragmática com o advento do método científico. A ciência tem regras que
precisam ser seguidas. Ótimo, ela avançou muito desde então, mas parece que o
cientista em si regrediu. Sua personalidade ficou presa ao que ele faz e sua
“sabedoria” sobe à cabeça. Por achar que sabe mais, ele se sente no direito de
classificar os outros ao seu redor. Ele É
o que faz e não o que É DE VERDADE: humano como qualquer um. Se
fosse possível tirar essa identidade desse ser, o que restaria dele?
Provavelmente a sua verdadeira face, doente e deprimente, que cresceu e se
desenvolveu sobre uma fantasia. O pior é que ele usa essa fantasia o tempo
todo.
Agora me ocorreu uma coisa: será
que os velhos cientistas, Galileu, Newton, Kepler entre tantos outros, até os
filósofos da antiguidade, Sócrates, Platão, será que esses não tinham um ego
semelhante ao dos cientistas atuais? Será que eles também queriam ser “notados”
no seu meio? Se isso é um fato, então meu questionamento pode não ter muito
sentido, pois mesmo assim grandes descobertas foram feitas. Seguindo nessa
linha de pensamento, Beveridge (1981) diz que um cientista tem que ter ambição
para se destacar no seu meio e se tornar um cientista de renome. Daqui posso
tirar que ter ambição nada mais é do que nutrir um ego, correto? Dessa forma, o
ego pode fazer bem pra ciência. Será mesmo?
O que posso notar nisso tudo é
que o meio científico se tornou um local de desfiles de estrelas. Há lugar onde
o ego predomina mais do que nesses locais? Veja o mundo dos artistas, p.ex. O
cientista se tornou um “artista” dentro do seu meio e por onde passa se ouvem
comentários sobre quem é ele e o que ele faz. Está errado isso? Sinceramente
não sei. Temos a índole de nos identificar com certas personalidades. Eu tenho
as minhas também e a grande maioria são velhotes da ciência que já passaram pra
outra vida. Eu admiro a vida deles e não seus feitos propriamente, pois esses
foram resultados de suas vidas. O que se vê hoje é um bando de pessoas que
fazem ciência desfilando a partir de seus feitos e não a partir de suas
pessoas. Desfilam pelo que sabem e não pelo que são. Aliás, se alguém se
voltasse para sua pessoa duvido que fosse desfilar, pois a simplicidade
dominaria o ego.
Contudo, o que eu vejo também tem
coisas boas. Como é ótimo ver um cientista que faz um bom trabalho passar por
ti e te cumprimentar do mesmo jeito que cumprimenta o faxineiro do corredor.
São raros, sim, mas existem. Eles são humildes e humildade é uma palavra rara
pelos corredores de um departamento.
Você pode
estar pensando que eu tenho algum trauma com a ciência, pois só escrevo coisas
ruins sobre. Eis aqui o teu erro de interpretação! Nao falo mal da ciência, mas
sim de quem a faz. E tem outra: não é de todos. Conheço muitos cientistas que
vivem pela paixão de fazer ciência. Melhor, eles não fazem ciência, mas é da paixão
deles que surge a ciência que fazem. E aqui tem algo muito interessante: os
grandes cientistas acabam sendo bem humildes, pelo menos os que já tive contato
na minha área. No entanto, são aqueles em ascensão (ou que no mínimo desejam
estar) que acabam agindo da maneira que considero negativa. Esses possuem um “peito
de pombo” de tão orgulhosos de seus feitos, e passam arrulhando pelos
corredores de um departamento. E é essa presunção que os leva ao fracasso,
justamente por buscarem alimentar sua identidade e não seu ofício.
Eu mesmo já
quis ser o melhor na minha área. Sim, hipocrisia minha estar falando tudo isso
e já ter tido tal ambição. Aí que está...tido. No momento em que percebi o mal
que isso estava me causando, tirando do meu foco o que realmente me fez ir pra
Ecologia e tentando aprender e fazer coisas que os “melhores” faziam, só para
ser um deles, vi que algo errado estava acontecendo. Não foi simples
indentificar o que era de fato e isso foi acontecer somente há pouco tempo
atrás em conversas com um amigo e nos estudos budistas. Agora inseri no texto um
motivo que pode gerar preconceitos e razões para denegrir meu texto: religião!
Mas bem, discutir sobre isso levaria um tempo que não quero despender nesse
momento. Além do mais, sei que alguém vai se identificar com tudo isso, de uma
forma ou outra! Esse é o objetivo.
Hoje vejo
que fazer ciência (e isso tu podes extrapolar pra tua área, seja lá qual for) é
nada mais do que fazer bem o que você gosta e quer fazer. Simples receita! No
momento em que tu passas a querer ser o melhor, tu passarás a te comparar e
querer competir. Ferrou tudo! Tu vais começar a esquecer de tua real motivação
e no momento em que veres que ser o melhor não existe, pois isso é algo
cíclico, verás que tudo perdeu o sentido. Sim, pois não tem mais razão o que tu
vinhas fazendo, pois tua paixão se transformou em obsessão. Fazendo teu ofício
da melhor forma possível, em algum momento tu acabarás sendo “o melhor”, sem
esforço nenhum. E quando fores, verás que nao será nada demais, a não ser que tu
gostes de ser paparicado e admirado como um rei. Bem, daí terás que tomar
cuidado, pois o Ego está a solta!
Agora,
voltando ao título para finalizar. O ego pode ser o fim para a ciência? Para
uma das compreensões dessa pergunta, não creio que o ego vai acabar com a
ciência, pois ela é inata nas pessoas, nasce com elas. Sempre haverá um Galileu
em alguma geração. Ele vai acabar sim com o cientista e com sua felicidade,
acima de tudo. Para a outra interpretação, entretanto, vejo que a ciência não
deveria alimentar o ego e muito menos criar esse na personalidade de um cientista.
A razão para isso é simples. Quem conhece todos os males que um ego pode causar
tem já a resposta. No entanto, uma resposta mais simples e profunda é que o ego
torna uma pessoa miserável e a coloca na única dependência de seus feitos.
Conseguem entender o que quero dizer? Se a resposta for não, provavelmente você
tem algum problema em encontrar a verdadeira felicidade e é esse cientista na
tua própria vida. Estou errado? Tomara que sim. =)
"O VALOR DO HOMEM É DETERMINADO, EM PRIMEIRA LINHA, PELO GRAU E PELO SENTIDO EM QUE SE LIBERTOU DO SEU EGO". Albert Einstein
Referências citadas no texto:
Beveridge, WIB 1981. Sementes da descoberta científica. São Paulo: Ed. da
Universidade de São Paulo. 134pp.
Pirsig, RM 2009. Zen
e a arte da manutenção de motocicletas: uma investigação sobre valores. 2ed., São Paulo: Ed.
WMF Martins Fontes, 441pp.